Abstract
Está bem estabelecido que a moderna noção de ser humano está firmemente ancorada no conceito de evolução natural, no que diz respeito à sua origem biológica, e no conceito de cultura, no que diz respeito à sua condição existencial e sua multiplicidade de modos de vida. Este artigo discute a relação entre o paradigma evolucionista nas ciências naturais e o pensamento antropológico moderno analisando as raízes de alguns mal-entendidos entre as duas tradições intelectuais. Notadamente, o embaralhamento entre os legados da obra do naturalista Charles Darwin e do filósofo Herbert Spencer para a escola de pensamento conhecida como evolucionismo social, hegemônica entre a década de 1870 e a I Guerra Mundial no contexto antropológico. A partir da crítica dirigida aos autores desta escola por Franz Boas, fundador da antropologia cultural norte-americana, o artigo demonstra que o conceito evolutivo empregado por evolucionistas sociais como Edward B. Tylor e Lewis H. Morgan remete mais às concepções teleológicas e dedutivas de Spencer da evolução como uma lei, que às formulações indutivas e não-teleológicas de Darwin da seleção natural como um mecanismo. Por fim, o artigo salienta afinidades entre a teoria da cultura de Boas e a visão de mundo darwiniana maiores do poderia se supor, dentre as quais: uma perspectiva mais retroditiva que preditiva sobre as origens da variação natural e cultural; a substituição da ortogênese determinada pela filogênese indeterminada; e da crença no progresso absoluto e no excepcionalismo humano pelo relativismo com respeito ao lugar da humanidade e suas formas de vida cultural no mundo.