Abstract
O presente artigo parte da relação do riso com o conceito do dionisíaco, no que concerne à “consolação metafísica” em uma existência contraditória e sem sentido, para daí conduzir o problema do niilismo (desvalorização) e da transvaloração a uma conexão com a alegria. Em O Nascimento da tragédia, Dioniso era o deus consolador, que redimia o sofrimento da existência no fenômeno estético; a partir de 1886, ele será o deus cruel, que desejará os seres humanos “mais fortes, mais malvados, mais profundos”. Este Dioniso cruel trará a consolação “aqui em baixo”, ensinando a rir e redimindo a existência nela mesma, sem deus e sem metafísica. Este riso, síntese da alegria trágica, supera toda metafísica de artista, afirma a crueldade do acaso e da necessidade, e estabelece um princípio avaliador imanente ao corpo. É com relação à alegria trágica que será possível compreender, assim, a gaia ciência e a relação que ela estabelece com o pessimismo – ou melhor, com a superação do pessimismo. O desenvolvimento do presente texto defende que, sendo o riso o efeito de uma virada axiológica na qual o sofrimento é transmutado em alegria e a existência inteira é redimida nela mesma, sem qualquer referência exterior ou metafísica, então ele se torna também um dispositivo de transvaloração, na medida em que mobiliza a avaliação na inversão, ou seja, na medida em que dispõe de inversões perspectivistas dos valores que colocam em suspenso não apenas as venerações entusiásticas e dogmáticas da moral, mas sobretudo abala toda estima e valorização de inspiração niilista que permeia o pensamento.