Abstract
Uma das constantes da obra de Bernardo Carvalho, por certo, é a investigação do passado compreendido como lacunar, em que a memória pessoal torna-se terreno inseguro e incapaz de oferecer uma imagem unificadora dos diversos relatos dos personagens. Em O filho da mãe, o autor cria personagens atravessados pela história de guerras que constitui a União Soviética, que, mais tarde, infligiu às repúblicas independentes não somente a miséria e a morte, mas a marca indelével de ser o “outro”, o não-desejado, o que deve ser apagado da memória e do território da velha Rússia.Carvalho propõe desde o princípio da leitura novas formas de se lidar com a memória e o esquecimento para que, quem sabe, esses sujeitos à margem consigam sobreviver por mais um dia, no intervalo entre a lembrança de quem são e a tentativa de apagar suas próprias identidades para seguir em frente.O presente artigo investiga, por um lado, os diversos conflitos entre os planos históricos e ficcionais e a forma como são dispostos no romance; a própria ficção trabalha com o sentido de deslizamento das categorias de memória e esquecimento para construir um espaço libertário em que certos personagens tendem a escapar de definições essencialistas. Por outro lado, entre as ruínas da São Petersburgo recriada por Carvalho, é possível explorar os caminhos entre a cidade e os afetos dos protagonistas homossexuais, ambos órfãos de qualquer forma de pertencimento.