Abstract
Enquanto o relativismo cultural predominante na antropologia moderna compreendia a diversidade das culturas do mundo pela sua relação com uma única natureza de fundo, apresentando assim sua face etnocêntrica ao arrogar-se o acesso privilegiado à Natureza universal, o "relativismo natural" (Latour, 1994) considera a existência de naturezas tão diversas quanto as culturas que as constroem. Porém, a exemplo do que sabemos pela voz de Davi Kopenawa (Kopenawa & Albert, 2015), a catástrofe ambiental antropogênica eminente atinge não apenas a Natureza enquanto construto da cosmologia ocidental, mas também incide sobre as naturezas de outros povos, outros coletivos com seus próprios arranjos cosmológicos. Este problema arrisca conduzir-nos a uma questão viciada, a de nos perguntarmos qual é a Natureza comum a todos os diferentes povos atingidos pela catástrofe ambiental. Identificamos, porém, esta questão como falsa quando reconhecemos que as categorias universalistas do pensamento ocidental entram em crise no Antropoceno. Compreendemos então que, no trato das questões antropológicas e filosóficas da crise ambiental, de modo a evitar o recurso a ideais etnocêntricos, precisamos suspender a procura por unívocos (Viveiros de Castro, 2004) e redirecionarmos a busca pelo espaço comum da catástrofe ao espaço virtual da equivocação enquanto dimensão das relações interculturais de modo a conservar as diferenças e potencializar a tradução antropológica.