Apresentação do Dossiê Fenomenologia e Educação

Educação E Filosofia 34 (71):483-487 (2021)
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Abstract

A fenomenologia nasceu como teoria do conhecimento. Kant, antes mesmo de Husserl, foi o primeiro a encampar o uso do termo “fenômeno” em suas investigações acerca dos limites e possibilidades do conhecimento. Das reflexões kantianas acerca do dualismo entre fenômeno e noumenon, nasceu sua teoria do conhecimento, posteriormente classificada de criticismo. Assim, é no campo da gnosiologia que o termo fenômeno debuta na cena filosófica. A apropriação do termo fenômeno por Husserl se deu em seu profícuo projeto filosófico de resolução da querela entre racionalistas e empiristas, bem como do enfrentamento da problemática das diferenças, limites e possibilidades do conhecimento científico e do conhecimento psicológico de um objeto, este tema de muito maior complexidade e fôlego filosófico. Em outras palavras, o enfrentamento do intrincado dualismo entre coisa real e coisa psicológica, o conhecimento do objeto real e o conhecimento psicológico do objeto. Dessas questões nasceu a proposta de Husserl de um método fenomenológico que asseguraria meios de superar essa traiçoeira armadilha que levaram muitas teorias do conhecimento a misturar o objeto real e o objeto psicológico. A fenomenologia deixou um legado de grande monta para as pesquisas na área da educação. A literatura é vasta, profícua e sedimentada no uso do método fenomenológico na interpretação de dados colhidos em pesquisas qualitativas. Aqui, o uso dos conceitos fenomenológicos na metodologia de pesquisa permite ao pesquisador apropriar-se do objeto investigado naquilo que ele tem de específico, bem como aferir as particularidades e movimentos típicos de um objeto de pesquisa que é vivo e pulsante como a educação. Além disso, também é sedimentada a contribuição da fenomenologia para a Psicologia. Ora, as reflexões inaugurares de Husserl se debruçaram sobre o tema da consciência, em específico, da consciência posicional – aquela que se lança sobre o mundo e se debruça sobre algo visado. Assim, há que se considerar Husserl um psicólogo e, por decorrência, que a Psicologia, há de se considerar também, possuir pés fincados na fenomenologia. Não obstante isso, fenomenologia ainda é um campo aberto para outros temas afetos à educação. Refiro-me, em particular, as contribuições da fenomenologia para as reflexões em torno de uma antropologia existencial e de uma ética existencial. Refletir sobre o que o homem é, enquanto ser vivido em meio ao mundo, e que este homem é único, com um êthos singular, são campos de investigações fundamentais para a educação. De fato, aferir que a criança tem uma historicidade própria e irrepetível, que ela é uma singularidade em meio ao mundo e, por fim, que o mundo da vida é o universo em que ela se apresenta enquanto pessoa, permitem entender os processos educativos desde um lugar não homogêneo, mas singular e diverso. Ao contrário disso, partir do entendimento de que a criança possui características iguais ou similares entre si e que a aprendizagem segue um padrão de desenvolvimento, são armadilhas típicas que as pesquisas na área da educação se tornam reféns, para não dizer multiplicadoras. Os tão decantados bordões típicos da área da Educação, tais como: “cada criança aprende de um jeito”, “cada criança se desenvolve de forma particular”, “cada criança vem para a escola com um universo cultural próprio”, encontram na fenomenologia aspectos conceituais que permitem uma leitura e interpretação profícuas acerca dessas máximas. Se “[...] a educação tem haver com o nascimento, com o fato de que constantemente nascem seres humanos no mundo”[1], então é sobre a antropologia e a ética da existência que a educação encontra um campo dialógico importante, mas ainda incipiente e em aberto. De fato, são poucas as investigações no campo da educação fundamentadas numa antropologia existencial - aquela que concebe o humano enquanto singularidade -, e numa ética da existência – aquela que concebe modos de vida singulares. Se cada ser que nasce é único e é esse ser que torna possível a educação, então uma antropologia existencial e uma ética da existência emergem como teorias afetas à educação. É, enfim, nesse campo, profícuo e em aberto, que este dossiê propõe apresentar contribuições para as pesquisas na área da educação e da fenomenologia. [...] [1] ARENDT, Hannah. A crise na educação. In: Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972, p. 223.

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Márcio Danelon
Universidade Federal de Uberlândia

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