Abstract
O objetivo deste artigo é compreender o fenómeno da propaganda indirecta no cinema enquanto dispositivo ideológico de controlo da vida privada, identificando a forma como foram tratados os papéis do feminino e do masculino no que à intriga amorosa conducente ao casamento diz respeito.Para o efeito, foram analisados, à luz do contexto sociocultural e político das duas primeiras décadas do Estado Novo em Portugal, sete filmes de ‘comédia à portuguesa’ marcantes do chamado ‘período de ouro’ do cinema português.A análise comparada do enredo faz emergir um paradoxo: por um lado, o casamento, tido à luz da época como epicentro da vida privada e unidade primária da vida social e afetiva, é naturalmente um dos tópicos centrais nessas narrativas - tudo se encaminha para ele como concretização e realização individual. Porém - salvo raríssimas exceções -, nada dele é retratado. A sua vivência exterior ou social, e sobretudo quotidiana, privada, é omissa. Tratado dessa forma, o casamento não é mais do que um “desfecho ornamental” e uma utopia: o círculo da vida comum a dois nunca é invadido pelo espetador.