Abstract
Em meados do século XIX, a moderna Psiquiatria e o Espiritismo estavam se formando e divergiam sobre a etiologia espiritual das doenças mentais e sobre se práticas mediúnicas seriam uma grande causa de alienação mental (“Loucura espírita”). Este artigo investiga os argumentos de médicos europeus e as reações de Allan Kardec sobre esses dois temas. Como fontes primárias, analisamos publicações médicas europeias (de 1858 a 1936), escritos de Kardec e realizamos um estudo de caso sobre os “Possessos de Morzine”. Os médicos negavam causas espirituais das doenças mentais e consideravam a mediunidade um produto de fraude ou de atividade cerebral, cuja prática seria uma grande causa de alienação mental. Kardec questionava a qualidade dos diagnósticos e das estatísticas de casos de “Loucura espírita”. Defendia que, além das causas biopsicossociais da loucura, as obsessões espirituais seriam uma causa complementar. As evidências seriam capacidades anômalas exibidas pelos doentes (p.ex. falar línguas que desconheciam, mostrar conhecimentos de fatos à distância, etc.) e a eficácia da desobsessão, mesmo que realizada à distância do paciente. O conflito foi diminuindo à medida que a Psiquiatria foi se legitimando no domínio do campo científico e o Espiritismo no religioso.