Abstract
Ao longo da leitura do Simpósio de Platão, é possível compreender a estreita relação entre o apetite (ἐπιθυμία) e o amor (ἔρως), enquanto este se manifesta, em última instância, como um apetite de imortalidade (ἐπιθυμία τῆς ἀθανασίας). Entretanto, este mesmo amor, que potencializa a alma na descoberta do belo em si mesmo (τὸ καλόν), também pode aprisionar o homem na sedução do sensível, levando-o a crer que nada é mais real do que a experiência amorosa pura e simples que se esgota na apreciação de um belo corpo. É, pois, nessa tensão entre as coisas físicas e aquelas verdades eternas que as sustentam que se inscreve a ambivalência de eros. Nossa análise pretende, através de uma leitura do mito-alegoria de Poros e Penia, contado pela sacerdotisa de Mantinéia, Diotima, a partir do passo 203a do Simpósio, demonstrar como a ambivalência constituinte do amor já se encontra, tout court, nas próprias características dos progenitores de eros, tais como delineadas por Platão nesse trecho. Penia, a deusa da Pobreza, seria essencialmente responsável pela precariedade e passividade de Eros perante as coisas sensíveis ou, também de modo ambivalente, já na descrição da deusa encontram-se indícios de uma potência criativa capaz de planejamento e de atividade? E o que dizer de Poros, pai do amor? Ele explicaria suficientemente bem este apetite incessante de Eros que deseja ir sempre mais além do objeto já experimentado?