A origem de Deus no imaginário dos homens

Multifoco (2016)
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Abstract

A bela manhã de sol era um convite a visitar meus pensamentos mais distantes, assim, absorto em minhas reflexões caminhava a passos lentos, sem perceber a presença de Alina, que observava sorrindo aquele meu ritual. Alina: Esse caminhar kantiano me diz que buscavas algo, ou melhor; alguma resposta. Estou certa? Lancio: Alina, que bom vê-la! É verdade. Caminhar estimula a circulação e os neurônios, consequentemente, é ótimo para raciocinar e ir em busca de respostas para delas obter perguntas, contudo é sempre mais provável ao fim, encontrarmos um grande “nada”, um vazio, mas o que nos conforta é saber que o “nada” nunca é verdadeiro. Alina: Lancio, não seria o contrário, as perguntas gerando respostas? Lancio: O senso comum pensa assim, é o que a maioria das pessoas acredita, mas quando buscamos os primeiros princípios, muito do que procuramos não é conhecido, portanto inacessível a perguntas, o que resta é a esperança de cegos, tropeçarmos neste “nada” que sabemos irreal, para então sermos capazes de formular perguntas até então impossível de ser formulada. Alina: Poderia então dizer que o fim último do passeio filosófico é buscar respostas a perguntas inexistentes? Lancio: Há outros propósitos filosóficos, mas este é o propósito maior dos filósofos, porque, se uma incompreensibilidade é conhecida, significa que é fato a partir do qual todos os esforços devem ser engendrados à sua resolução. Todavia pode acontecer que o fato que dá origem à incompreensibilidade não seja verdadeiro, mas criado pela expectativa e assim sendo, o próprio homem é criador da incompreensão que busca compreender. Ao que é físico, a percepção e a correção de um erro é questão de tempo e às vezes de pouco tempo, ao que é metafísico, não há esta mesma percepção, neste caso é necessário transcender, buscar o fato antes que ele o seja. Alina: Mas se imaginarmos que todos nós estamos propensos à mesma dúvida existencial, esse caminhar filosófico não seria uma exclusividade, mas comum a todos em algum momento, não é certo? Lancio: Sua reflexão nos leva de volta à pergunta: o que é a filosofia? E torno a dizer: Se disséssemos que é a arte de pensar, todos seriam filósofos. Se disséssemos que é a arte de imaginar, ainda assim cada um de nós poderia se dizer filósofo. No entanto, tanto o pensar como o imaginar pertence ao alicerce filosófico e se também pertence a todos como exercício da mente, porque nem todos podem ser filósofos? Uma manifestação verdadeira do pensamento pela busca de uma determinada verdade, não significa que se está fazendo filosofia, é necessário que se leve para mais além, esse pensar. Todos de alguma forma ao caminharem, caminham em direção a algo, seguem em direção aos seus objetivos profissionais, emocionais, seguem em direção às suas casas, sabendo que lá é o fim último de sua caminhada, onde os aguarda o pai, a mãe, o filho, a esposa, o gato, um banho quente ou as preocupações domésticas. Caminham em direção ao trabalho, à padaria, ao mercado, à farmácia, ao parque, ao shopping, ao teatro. O homem sempre segue um caminho que leva a um fim. Quando envelhecem, caminham menos, às vezes caminham do quarto à sala ou à cozinha ou à varanda. Quando debilitado, inerte numa cama, seus olhos e ouvidos caminham até a televisão ou a uma tela de computador ou apenas caminham por entre esparsas recordações. Há sempre um objetivo que se espera conhecido no final de cada caminhada para o homem, inclusive a morte. O filósofo, entretanto, não caminha somente para casa ou para o trabalho, mercado, farmácia ou para o parque, shopping ou teatro. Não caminha somente para a sala, cozinha ou varanda, seus olhos e ouvidos não caminham somente para a televisão, para uma tela de computador ou para uma paisagem ou uma recordação antiga e cara ou para as vozes que o cerca. Para todos os homens, cada caminho percorrido tem o seu fim e aos homens isto basta. Mas o que é fim para o homem comum, não é fim para o filósofo em seu ir e vir, em seu olhar, em seu ouvir, ele vai sempre além do fim comum a todos. Alina: Pelo que acabas de dizer não posso duvidar que imaginei indevidamente que todos tinham a mesma percepção. Contudo se a maior parte dos homens estão convictos, conformados ou inconformados com os fins cotidianos e com o fim último de suas vidas, há que ter uma razão que os move a pensar e agir como tal, por que essa mesma razão não age sobre os filósofos? Lancio: Sim, Alina, e a razão de que falas é a fé em um ser supremo, criador de tudo e de todos, que está no imaginário de homens e mulheres independente de raça, por isso, a crença age sobre os seres e os impulsiona a tal conduta, desde os centros mais desenvolvidos, às mais primitivas tribos espalhadas ao redor do mundo. O símbolo da divindade fixado na natureza humana é a razão que move o homem ao conformismo. Alina: Sabe Lancio, desde muito cedo tive minhas dúvidas a respeito das religiões, mas às vezes penso que a despeito de muitas delas agirem como comércio da fé, elas são um mal necessário que têm o papel anestésico e consolador para as desgraças e as dúvidas existenciais de milhares de homens e mulheres, mas o que sempre me fascinou é a presença de Deus, como você disse, no imaginário da raça humana. Milênios após milênios, geração após geração, Ele permanece, oculto, invisível, permitindo virtudes e atrocidades, sempre inatingível e pouco questionável. Por quê? Lancio: Bem, Alina, das dúvidas e questionamentos que cerca o ser humano no curso de sua existência está a orfandade, é este vazio que possibilitou com pouco esforço, a adoção de um criador, de uma divindade que pudesse ser a explicação de tudo aquilo que o homem não podia compreender, inclusive a ele próprio, e ser o Pai de tudo e de todos. Quando você fala em mal necessário, sei que pensa nos dias de hoje, mas a instituição de Leis Divinas em tempos remotos teve o mesmo sentido que acabas de expressar e foi certamente um meio eficaz de conter o barbarismo e domesticar os homens. Todavia o início desse processo é o temor do homem quando constata sua pequenez ante a grandiosidade dos fenômenos naturais e do próprio universo, por este motivo as primeiras adorações foram o sol, a lua [97] e as estrelas. Com a inevitável evolução estes objetos de devoção foram substituídos pela imposição das Leis [98], mas ainda hoje, nas comunidades mais primitivas é possível ver o mesmo culto ao sol e à lua, como há milhares de anos [99]. Todavia, após a adoção de um ser supremo ouve sempre questionamentos desde os tempos mais remotos por diferentes classes de pensadores, mas a necessidade de regras e rédeas para a manutenção da ordem nas comunidades, tribos e reinos, sempre falou mais forte e a divindade nunca deixou de acompanhar as Leis, legitimando os atos dos legisladores que se passavam eles próprios, por instrumentos da Divindade. Desse modo Licurgo com suas Leis representava a vontade de Apolo, Moisés os desejos de Jeová e Minos cumpria os mandamentos de Zeus [100]. Este modelo de Leis Divinas dos antigos gregos e hebreus são heranças de tradições egípcias, levadas por suas expedições com o intuito de obter obediência dos povos onde fixava colônias [101], mas também pela estreita convivência de algumas tribos com a cultura do Nilo [102], todavia eles mesmos, os egípcios, tinham na classe sacerdotal, uma escola de conhecimento e não de superstição. Seus ensinamentos não constavam de nenhum princípio que não fosse racional, nenhum elemento fabuloso, seus costumes tinham por fundamento; princípios morais, razão de utilidade e lembranças históricas [103], que transmitiam pelo método simbólico e ritualístico, o primeiro dando a compreensão dos fenômenos da natureza e o segundo repetindo atitudes e comportamentos viciosos ou valorosos de seus antepassados ou de fatos acontecidos. A incompreensão do que era ensinado nas exclusivas Escolas de Mistérios por parte dos menos afortunados, que não tinham acesso a estes centros de estudos, deu lugar a superstições e mitos, fenômeno fabuloso que viria a ser utilizado por Legisladores em suas Leis, como rédea à civilidade, uns no entanto abusando da credulidade, faz plenamente Divina a Lei que redige, criando então o embrião das antigas religiões.

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